Marcelo Berti

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Jesus, a tempestade e os evangelistas

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Reflexões sobre as diferenças e fontes dos Evangelhos

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fev 20, 2025
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Os Evangelhos Sinóticos — Mateus, Marcos e Lucas — apresentam semelhanças e diferenças significativas que levantam questões fundamentais no estudo do Novo Testamento. Esse fenômeno, conhecido como problema sinótico, levanta questionamentos sobre a relação literária entre esses textos, a origem de suas semelhanças e o motivo de suas variações narrativas. A análise detalhada dessas diferenças pode fornecer pistas sobre as fontes utilizadas pelos autores e o propósito teológico de cada evangelista.1

Fundamental para essa investigação é o método conhecido como Crítica das Fontes, que busca identificar e reconstruir as tradições orais e escritas que serviram de base para os textos canônicos. Essa abordagem parte da observação das semelhanças e diferenças entre os evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas), levando à hipótese da Fonte Q, um documento hipotético que teria sido utilizado por Mateus e Lucas, além da dependência direta desses dois evangelhos em relação a Marcos.2

A Crítica das Fontes também examina variações estilísticas, teológicas e literárias entre os evangelhos para compreender como os autores reconfiguraram suas fontes para atender às suas comunidades e propósitos teológicos. Esse método tem sido fundamental para o estudo da formação dos evangelhos e para a compreensão do desenvolvimento da tradição cristã primitiva.3 Dada a complexa relação literária entre os Evangelhos Sinóticos, diversas teorias foram formuladas para explicar suas semelhanças e diferenças. A seguir, destacam-se as principais abordagens conhecidas nos nossos dias:

  1. A Teoria Agostiniana propõe uma ordem sequencial na composição dos Evangelhos. Segundo essa hipótese, Mateus foi escrito primeiro, seguido por Marcos, que fez um resumo do primeiro, e finalmente Lucas, que utilizou ambos como fontes. Essa teoria, defendida desde os tempos patrísticos, é uma das mais antigas, mas tem sido amplamente questionada devido à clara dependência literária observada entre os evangelhos, especialmente entre Marcos e os demais.4

  2. A Teoria de Griesbach oferece uma perspectiva alternativa, argumentando que Mateus foi o primeiro evangelho a ser escrito, seguido por Lucas, que utilizou Mateus como fonte, e, por fim, Marcos, que condensou os dois anteriores. Essa teoria desafia a visão predominante da prioridade de Marcos e sugere que Marcos simplificou e harmonizou os relatos de Mateus e Lucas em um texto mais curto e direto. Embora tenha menos aceitação acadêmica atualmente, a hipótese de Griesbach destaca a complexidade da relação entre os Evangelhos Sinóticos e continua a ser considerada em estudos sobre a origem dos Evangelhos.5

  3. A Teoria de Farrer é uma solução para o problema sinótico que busca explicar as relações literárias entre os Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas. Diferente da hipótese das duas fontes, que sugere que Mateus e Lucas usaram Marcos e uma fonte perdida chamada Q (do alemão Quelle, fonte), a hipótese de Farrer propõe que Lucas utilizou tanto Marcos quanto Mateus como fontes, eliminando a necessidade de Q. Defendida por Austin Farrer e posteriormente por Michael Goulder e Mark Goodacre, essa teoria argumenta que as semelhanças entre Mateus e Lucas podem ser explicadas pelo uso direto de Mateus por Lucas, simplificando a dependência literária entre os evangelhos.6

  4. A Teoria das Duas Fontes é uma das explicação mais amplamente aceitas para o problema sinótico. Segundo essa teoria, os evangelistas Mateus e Lucas usaram duas fontes principais para compor seus evangelhos: (1) o Evangelho de Marcos, que teria sido o primeiro a ser escrito e serviu como base para a estrutura narrativa de Mateus e Lucas; e (2) uma fonte hipotética chamada Q, que continha ditos de Jesus e explicaria o material comum a Mateus e Lucas, mas ausente em Marcos. Essa hipótese foi desenvolvida no século XIX e busca justificar tanto as semelhanças quanto as diferenças entre os evangelhos sinóticos sem recorrer à dependência direta entre Mateus e Lucas.7

  5. Por fim, a Teoria das Quatro Fontes é uma expansão da Hipótese das Duas Fontes, criada para explicar com mais precisão as diferenças entre os Evangelhos Sinóticos. Segundo essa teoria, Mateus e Lucas não apenas usaram Marcos e a fonte hipotética "Q", mas também cada um tinha suas próprias fontes exclusivas de tradição oral ou escrita. Assim, a teoria propõe quatro fontes distintas:

    1. Marcos – O primeiro evangelho escrito, usado por Mateus e Lucas como base narrativa.

    2. Fonte Q – Uma coleção hipotética de ditos de Jesus, usada por Mateus e Lucas, mas ausente em Marcos.

    3. Fonte M – Material exclusivo de Mateus, contendo histórias e ensinos que não aparecem nos outros evangelhos.

      Fonte L – Material exclusivo de Lucas, com relatos e parábolas únicas.8

Todas essas teorias tem seus pontos fortes e fracos e uma resposta definitiva para esse assunto certamente exigiria uma análise detalhada de todas perícopes desses Evangelhos, um longo e árduo processo de investigação acadêmica. Contudo, nesse post temos um objetivo mais simples. Considerando apenas o evento conhecido como Tempestas Sedata contado pelos três Evangelistas (Mt 8:23-27; Mc 4:35-41; Lc 8:22-25), pretendemos demonstrar que as similaridade e diferenças exigem uma relação de dependência literária, que é melhor explicado pela Teoria das Quatro Fontes.9

De acordo com nossa análise, existe uma óbvia dependência de Marcos nos Evangelhos de Mateus e Lucas, e ao mesmo tempo existem indicativos de que Lucas e Mateus tiveram acesso a uma fonte comum não utilizada por Marcos. Também parece claro que Mateus e Lucas não demonstram conhecimento do trabalho do outro. Dessa forma, fica claro que Marcos e Q serviram como fonte para Mateus e Lucas, do mesmo modo que a perspectiva teológica de cada autor também serviu para orientar a escrita da narrativa desse evento. Sendo assim, entendo que as fontes M e L também podem ser observadas nessa comparação, como podemos ver na imagem abaixo:

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