Nesse vídeo, exploro um dos momentos mais decisivos da história da igreja e da teologia: a publicação do Novum Instrumentum Omne, de Erasmo de Rotterdam, em 1516. Mais do que uma tradução, o texto grego do Novo Testamento se tornou uma semente poderosa para o florescimento da Reforma Protestante. Nesse vídeo, lecionado em 2017 na Igreja Batista Cidade Universitária, demonstro como o trabalho de Erasmo impactou diretamente a teologia Martinho Lutero, lançando luz sobre as Escrituras em sua língua original e renovando o compromisso com a Palavra de Deus como autoridade suprema.
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1. Quem foi Erasmo de Rotterdam?
Erasmo de Rotterdam (1466–1536) foi um dos maiores intelectuais do Renascimento europeu. Humanista, teólogo, monge agostiniano e sacerdote, Erasmo percorreu as principais universidades da Europa, onde cultivou um profundo apreço pela literatura clássica e pelos pais da Igreja. Seu esforço constante foi unir os ideais humanistas com a fé cristã, propondo uma reforma da espiritualidade baseada no retorno às fontes bíblicas, em particular ao estudo do texto grego do NT. Sua obra teve grande influência em toda a Europa. Erasmo acreditava que a verdadeira reforma da Igreja viria por meio do estudo das Escrituras e da conversão do coração. Como escreveu Anna Marie Johnson:
“Um humanista, teólogo, monge agostiniano e sacerdote, Erasmus foi o estudioso mais proeminente da Europa no século XVI. [...] Ele criou seu amor pelas literaturas clássicas e pelos pais da igreja, dois ingredientes-chave para suas tentativas ao longo da vida de combinar humanismo e cristianismo.” (Erasmus, Desiderio, T&T Clark Companion to Reformation Theology, 402)
2. Novum Instrumentum Omne
Em 1516, Erasmo publicou a primeira edição do texto grego do Novo Testamento, intitulada Novum Instrumentum Omne. A obra foi revolucionária por conter o texto grego lado a lado com uma nova tradução latina, diferente da tradicional Vulgata. Sua intenção principal não era apenas oferecer o grego, mas propor uma revisão do latim com base nos melhores manuscritos disponíveis. Como explica J. Keith Elliott:
“A edição bilíngue de Erasmo era um texto grego com uma nova tradução ou revisão do latim, não uma reprodução da Vulgata. [...] Ao publicar um NT latino revisado, Erasmo estava fornecendo uma edição melhor das Escrituras na língua europeia, promovendo assim a elevação espiritual e moral da Europa.” (The Text of the New Testament, A History of Biblical Interpretation, 233)
3. A conexão entre Erasmo e a Reforma de Lutero
O impacto do Novum Instrumentum foi imediato e profundo. Entre 1515 e 1517, Lutero ensinava Romanos e Gálatas na Universidade de Wittenberg e utilizou o texto de Erasmo em suas aulas. Sua leitura do grego foi fundamental para o desenvolvimento de sua teologia da justificação pela fé. Pouco depois, em 31 de outubro de 1517, Lutero publicou suas 95 Teses. Em 1519, Lutero publicou seu Comentário em Gálatas, e menciona o desejo de ver os comentários prometidos por Erasmo:
“Eu também certamente preferiria esperar pelos comentários prometido há muito tempo por Erasmo [...] mas, já que ele está atrasando sua publicação, a situação que vocês veem, me forçam a vir primeiro à público.”
Mais tarde, em 1521–1522, Lutero usaria a segunda edição do texto de Erasmo para traduzir o Novo Testamento para o alemão, obra que se tornaria um marco da Reforma. Como ele mesmo escreveu:
“Certifique-se disso: não preservaremos o evangelho sem as línguas originais. [...] Se, por nossa negligência, abandonarmos as línguas originais (que Deus não permita!), nós iremos perder o evangelho.” (To the Councilmen of All Cities in Germany That They Establish and Maintain Christian Schools)
4. A influência de Erasmo na teologia de Lutero: Dois Exemplos
(a) Penitência
A tradução de Mateus 3:2 foi crucial. Enquanto a Vulgata usava paenitentiam agite (fazei penitência), Erasmo traduziu o grego μετανοεῖτε como resipiscite (arrependam-se). Lutero, por sua vez, verteu como Tut Buße (arrependei-vos). A substituição da ideia de “fazer penitência” por “arrependimento” foi decisiva para romper com a teologia sacramentalista medieval.
(b) Justificação
Romanos 4:3 também sofreu mudança significativa. Enquanto a Vulgata dizia que a fé de Abraão foi reputada como justiça (reputatum), Erasmo usou imputatum, termo mais técnico e jurídico, que Lutero acolheu em sua própria tradução. Isso reforçou a doutrina da justiça imputada, uma das colunas da teologia reformada.
Conclusão
A publicação do texto grego do Novo Testamento por Erasmo, o Novum Instrumentum Omne, foi um divisor de águas. Ele deu ferramentas textuais e linguísticas para a redescoberta do Evangelho. Lutero se beneficiou diretamente dessa obra, e a Reforma não teria sido a mesma sem ela. Como bem afirmou R.J. Schoeck:
“O Sola Scriptura de Lutero teria sido inconcebível sem o Novum Instrumentum de Erasmo de 1516 e suas subsequentes edições.” (Erasmus of Europe: the Making of a Humanist, 2:369)
Essa é a beleza da providência divina na história: um monge, um humanista, um texto, e o reencontro com o Evangelho.
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